13 de outubro de 2009

De Palmela para Quioto





Uma estação de metro japonesa será decorada com azulejos feitos numa oficina tradicional portuguesa (por Isabel Nery, in VISÃO-1OUT'09)


De Portugal, conhece as cidades onde há muitos azulejos. De português, sabe apenas palavras como «azul» ou «forno». Assim que viu os primeiros quadrados de cerâmica, em livros de arquitectura, Haru Ishii decidiu que tinha de aprender a fazê-los. Nunca imaginou que fosse tão difícil. Nem que isso lhe trouxesse a fama. Foi em 1995, no ateliê de Sebastião Fortuna, em Palmela, que pôs a mão no barro pela primeira vez. Desde então, volta a Portugal, e a esta oficina, todos os anos. Agora, a artista japonesa já não tem dúvidas: «Vou fazer azulejos até morrer.»


Graças a Haru, a técnica portuguesa está espalhada pelo Japão. Estações de comboio, zonas comerciais e centros de congressos são alguns dos espaços públicos com azulejos feitos em Portugal e criados pela artista nipónica. «No Japão também se fazem azulejos, mas não é a mesma coisa. Não têm o mesmo brilho», garante Ishii, entre uma palavra portuguesa e um inglês difícil, acabando no japonês. Haru já aprendeu a ultrapassar o problema do vidrado que quebra com o frio de algumas das cidades japonesas ou do trabalho que chega partido por causa do transporte. Ainda tentou criar as suas peças de azulejo no Japão, mas essa opção implicava peripécias tão frustrantes que acabou por desistir. A artista garante que «aquele» azul cobalto só se consegue obter em Palmela. «Tentei de várias maneiras e nunca fica igual ao que fazemos em Portugal.»


A ARTE DO IMPREVISÍVEL


Observar e experimentar foi a escola de Haru. Apesar de já levar quase 15 anos de experiência com a cerâmica nacional, a artista continua deslumbrada com a imprevisibilidade do material: «Imagino uma coisa, depois sai do forno e é outra», assegura, enquanto mostra dois azulejos em que os azuis resultaram completamente diferentes, apesar de o processo de fabrico ser o mesmo. Depois da missão cumprida na nova estação/interface de metro de Quioto – a artista acaba de enviar mais de 6 mil azulejos para os painéis a instalar na zona comercial –, aproveita os últimos dias em Portugal para preparar a próxima exposição. Será só de azulejos e inaugura em Outubro, na mesma cidade.


Junto ao quadrado de cerâmica, de fundo azul, que explica os painéis de Haru Ishii em japonês, haverá outro com a tradução portuguesa: «Fabricados entre 2008 e 2009, no Espaço Fortuna Artes e Ofícios, em Portugal, e pintados à mão, estes 9 050 azulejos pretendem ser um louvor à vida e uma prece à água.» Para os caracteres japoneses resultarem neste suporte foi preciso picotar cada letra a alfinete, antes de cozer o barro. Mas há uma palavra que não deu problemas, sendo igual nos dois painéis informativos: «azulejo», claro, não tem tradução em japonês.


Com este trabalho completo, a artista plástica termina o seu maior projecto. Mas o regresso está garantido. E não só pela paixão pelo azulejo. Da primeira vez que visitou o País, comeu um queijo de Azeitão inteiro, «com casca e tudo». Agora, conta, divertida, já sabe que é melhor comê-lo à colher, com pão, e acompanhá-lo com vinho...