1 de outubro de 2010

Discurso do Primeiro-Ministro à 65.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque (25SET'10)

2010-09-25



Senhor Presidente 



Senhor Secretário-Geral



Distintos Delegados
Senhoras e Senhores,





Senhor Presidente, quero felicita-lo pela eleição para a presidência desta Assembleia Geral, que é o órgão central na arquitectura das Nações Unidas. Aqui todos os Estados Membros estão representados. Aqui cada Estado tem um voto, independentemente da sua dimensão, população ou capacidade económica. Aqui são tomadas as decisões centrais que determinam o funcionamento de outros órgãos. Aqui encontra expressão plena o princípio da igualdade soberana de todos os Estados. Aqui somos todos membros permanentes.
Portugal participa nesta Assembleia Geral com o mesmo objectivo de sempre: dar o seu melhor contributo para o fortalecimento das Nações Unidas. Esta organização desempenha um papel central nas relações internacionais. Papel que pode, e deve, ser melhorado. Mas papel insubstituível, porque não há mecanismos alternativos às Nações Unidas. Todos os Estados-membros devem empenhar-se na revitalização progressiva da Organização.
Portugal orienta a sua actuação nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito pelos direitos humanos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da cooperação internacional como elemento fundamental para o progresso e desenvolvimento da Humanidade.
Estes princípios constam da Constituição Portuguesa. E são estes, também, os objectivos e princípios inscritos na Carta das Nações Unidas: a manutenção da paz e da segurança internacionais; o desenvolvimento e progresso dos povos; o desenvolvimento de relações amistosas entre todas as nações com base na igualdade de direitos; a cooperação internacional na resolução de problemas económicos, sociais, culturais ou humanitários; e a promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Senhor Presidente,
Manter a paz e a segurança internacionais, evitar a guerra, é um dos objectivos mais nobres que nos unem. A Carta define como podemos, nós, as Nações Unidas, agir colectivamente para prevenir ou remover as ameaças à paz e reprimir actos de agressão ou outras violações dos princípios universais.
Portugal tem contribuído activamente para as operações de paz das Nações Unidas, na Europa, na Ásia, na Oceânia ou em África. O nosso esforço tem sido sempre generoso e global. Dezenas de milhares de portugueses têm colaborado em missões de paz. Estamos presentes em lugares tão diversos como o Afeganistão, o Sul do Líbano, Timor-Leste, os Balcãs Ocidentais, o Chade ou a República Democrática do Congo.
Participamos nas operações de paz e outras missões aprovadas pelas Nações Unidas de forma proporcional às nossas possibilidades e, por vezes, muito para além do que a nossa dimensão exigiria. Mas fazemo-lo com a convicção profunda de que a segurança colectiva deve ser também um esforço colectivo. Os Estados Membros poderão continuar a contar com a contribuição de Portugal nesse esforço conjunto.
Olhando para os actuais desafios à paz e à segurança, quero realçar a situação no Médio Oriente, conflito que tanto tem marcado a nossa época e a nossa geração e tão negativamente tem influenciado as relações entre vários povos e culturas. O próximo ano será crítico para o Processo de Paz. A escolha é clara: a paz ou o regresso à instabilidade. Saudamos a retoma de negociações directas para uma solução de dois Estados e encorajamos as lideranças a escolher o difícil caminho da paz. A criação de um Estado Palestiniano independente, democrático, contíguo e viável, a viver lado a lado, em paz e segurança mútuas, com o Estado de Israel, é o objectivo para o qual todos temos de contribuir.
Também quero mencionar o Afeganistão, onde a comunidade internacional assumiu o firme compromisso de apoiar a reconstrução e o desenvolvimento. O trabalho realizado na Conferência de Cabul deverá ser agora complementado na Cimeira da NATO em Lisboa, continuando um processo sustentável de transição, essencialmente liderado pelos próprios afegãos. Portugal continuará a assumir, sem constrangimentos, a sua quota-parte neste processo.
Senhor Presidente,
A manutenção da paz e da segurança internacionais pressupõe um multilateralismo efectivo nas decisões dos órgãos das Nações Unidas.Multilateralismo efectivo que deverá assentar numa estrutura funcional com a qual todos os Estados Membros se possam identificar.
As Nações Unidas são a Organização indispensável. E a única organização capaz de responder a ameaças globais; a única com capacidade para responder a fenómenos naturais graves, como o demonstram várias situações recentes, do Haiti ao Paquistão; e a única a apoiar de forma efectiva milhões de refugiados, esforço notável do Alto Comissariado para os Refugiados, cujo trabalho honra especialmente o meu país por ser liderado por António Guterres, um dos mais distintos políticos portugueses desta geração.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,
É por ser indispensável que a reforma das Nações Unidas se reveste de especial urgência. É essencial para adequar a organização às realidades de hoje em dia. Mas qualquer reforma terá que basear-se nos objectivos que presidiram à fundação das Nações Unidas. O seu papel central na arquitectura internacional e a sua vocação universalista não podem ficar em segundo plano. As Nações Unidas são o único fórum de que ninguém se pode sentir excluído. É o lugar em que todos, incluindo Estados de pequena e média dimensão, têm uma voz. E todos devem ser ouvidos na resolução dos problemas que a todos atingem.
O estabelecimento de uma Comissão para a Consolidação da Paz - ideia proposta e apresentada por Portugal - foi, sem dúvida, um passo significativo neste processo de reforma.
Mas há também que ponderar o funcionamento do Conselho de Segurança, sem o qual nenhuma reforma terá significado. Devemos alargar a sua composição. E o resultado da reforma deverá servir para nos unir em torno de um Conselho de Segurança mais representativo, mais transparente e mais eficaz.
Desafia a lógica que países como o Brasil ou a Índia, que têm hoje um papel insubstituível na economia e na política internacionais, não tenham ainda um assento permanente no Conselho. África também tem de fazer parte desse alargamento. É crucial que África seja tratada de forma justa, dando expressão ao notável processo de desenvolvimento político e económico que se faz sentir neste vasto continente, pelo qual nós, portugueses, sentimos uma relação de proximidade permanente e solidária. Por isso estamos desde o início muito ligados ao reforço das relações euro-africanas, tendo realizado em Lisboa a cimeira que desenhou a Estratégia Conjunta e estando agora muito empenhados no êxito da próxima Cimeira África-União Europeia.
Senhor Presidente,
Esta Assembleia Geral iniciou-se com uma reunião de alto nível sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, cuja implementação continua a ser urgente. Felicito o Secretário-Geral e os Estados Membros desta Assembleia pelos resultados alcançados nesta reunião. A visão política de mobilização para os próximos 5 anos foi traçada e estamos firmemente empenhados em cumpri-la.
Por outro lado, a reforma das organizações financeiras internacionais que está em curso, necessita de envolver os países em desenvolvimento e os agrupamentos regionais já consolidados. A participação de todos na fixação das novas regras mundiais dos mercados financeiros é condição essencial para o seu sucesso.
Outro domínio em que a interdependência nos obriga a uma acção conjunta é o das alterações climáticas. A urgência agora é que a Cimeira de Cancun seja um passo firme na direcção certa. Portugal continua fortemente empenhado na luta contra as alterações climáticas, apostando inequivocamente nas energias renováveis. É com satisfação que assinalo a concretização do objectivo aqui anunciado há um ano: actualmente, Portugal já produz 45% da sua electricidade a partir de fontes renováveis. Neste primeiro semestre de 2010, 66% da nossa electricidade foi produzida com base em energias renováveis. Portugal ocupa hoje o quinto lugar europeu e mundial na utilização de energias renováveis. O nosso País tem o maior parque eólico em operação na Europa e é o segundo país do mundo com maior peso da energia eólica no mix energético. Possuímos um dos maiores parques fotovoltaicos do mundo. Estamos na vanguarda da promoção dos veículos eléctricos. E Portugal é hoje considerado um dos dez países do mundo mais atractivos para o investimento em energia.
Portugal tem partilhado esta experiência com vários países em desenvolvimento e continua a intensificar esta cooperação através de parcerias concretas e da transferência de conhecimentos, apoiando os esforços de adaptação e mitigação, no contexto dos compromissos assumidos em Copenhaga. Alguns destes países com os quais colaboramos são Países Menos Avançados e Pequenos Estados Insulares. São países que poluem muito pouco mas estão entre os que mais sofrem o impacto das alterações climáticas. É urgente tomar as medidas que se impõem para atenuar as suas vulnerabilidades.
Portugal defende hoje a consagração do Direito à Água, na mesma medida em que pugna pelo Direito à Educação, o Direito à Habitação e o Direito à Saúde. Garantir a todos os seres humanos os meios essenciais para uma vida digna, incluindo o acesso a água potável e ao saneamento adequado, é também uma forma de acelerar a implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Senhor Presidente,
O meu país é um Estado quase milenar, que este ano comemora os 100 anos da República Portuguesa. É uma democracia com alicerces sólidos em matéria de Direitos Humanos e na sua promoção universal. Um país que acredita no primado do Direito sobre a força. E uma nação que aprendeu, pelo seu próprio percurso, que a paz e o desenvolvimento são objectivos que só se alcançam plenamente quando partilhados.
Portugal é um país que aprendeu a escutar os seus pares. Somos membros da União Europeia; da Aliança Atlântica; da família ibero-americana e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, agora presidida por Angola, que quero saudar, e, cujos Membros, partilham a 5.ª língua mais falada do mundo, e presente em todos os continentes. Estamos também entre os participantes da Aliança das Civilizações, fórum que lidera o indispensável e urgente diálogo intercultural o que mais uma vez nos honra particularmente por ser dirigido de forma exemplar por Jorge Sampaio, ex-Presidente da República do meu país.
O comportamento de Portugal nas Nações Unidas é determinado pela capacidade que temos em dialogar com todos os Estados Membros, em estabelecer pontes, em contribuir para consensos. Procuramos sempre defender os valores em que acreditamos através do diálogo e não através da imposição. A nossa atitude não é, portanto, ditada pela necessidade conjuntural de agradar a este ou àquele grupo, mas pelos valores em que acreditamos. É esta visão universalista, de diálogo e abertura ao mundo, que marca a participação de Portugal nos órgãos das Nações Unidas e inspira a nossa actual candidatura a membro não permanente do Conselho de Segurança.
Senhor Presidente,
Estamos nas Nações Unidas porque acreditamos nos seus valores e objectivos. Na sua universalidade. Na convicção de que o respeito mútuo deve ser a pedra basilar da acção dos Estados. E porque achamos que o reforço das Nações Unidas, do seu espírito, da sua natureza e da sua acção, continua a ser um dos objectivos mais nobres e generosos de todos aqueles que não desistem de, todos os dias, contribuir para a construção de um mundo melhor.